terça-feira, 18 de março de 2014

O que o tempo determina?

O que devo pronunciar hoje?
Ao invés de tomar a palavra,
serei, incondicionalmente,
envolvido por ela.
Não haverá, portanto,
nenhum compromisso,
nenhuma condição.
Não haverá, tampouco,
expectativas de outros,
nem minhas.

Daqui pra frente,
quero multiplicar tudo o que vou fazer.
Pois farei bem feito.
Comprometido.
Humanamente lúcido.
Que espere, o tempo.

Na harmonia suprema do meu
livre compromisso, atuarei sobre coisas
cuja existência seja, pois, explícita ou implícita.
Desde o asseio de todas as coisas
que toco, que amo detalhadamente,
em todos os meus lugares, até o movimento das minhas mãos,
dos meus experimentados dedos.
Começando pela pia da minha nova e sagrada cozinha,
até os menores espaços entre os meus cílios, entrementes,
entre os meus dentes.

Por todos os espaços que caminho,
é preciso continuar,
tocando, reparando, delineando
minhas ações, minhas dúvidas,
meus prazeres e dizeres.

É preciso pronunciar palavras enquanto as há.
É preciso dizê-las até que elas me encontrem,
até que me digam,
para que vieram.
É preciso, enquanto não estão aqui, escrevê-las.

Estranha falta, estranho castigo,
que cria o que ainda não aconteceu.
E que talvez já tenha acontecido.
Talvez eu já tenha dito, já tenha escrito.
Talvez não. Ainda não.

Eis mais uma hipótese
para que tudo aconteça.
Do começo ao fim.

Um começo e um final, solenes.
Cercados por um círculo de atenção e
outro de silêncio. Ritualizados,
sinalizando-os à distância.

Por isso, tudo o que vejo daqui é
arriscado, categórico e decisivo.
Mas ao mesmo tempo
transparente e calmo,
profundamente aberto,
desprovidamente indefinido.
Passageiro e infinito.

Assim, me deixarei levar.
Eu não teria senão de me deixar.
Pois, não temi começar.
Me ocorre por isso
ter algum poder
que só de mim advém.

Que o  meu silêncio, entretanto,
esteja alerta, e eis que, ainda,
uma ínfima separação permanece.
E é através dela
que o mundo se sustenta,
que o mundo se revela.

Ora, eis que um segundo adiante,
a verdade já não residirá mais
no que era o tempo, ou no que o tempo determina,
mas estará perpetuada,
pois já foi dita, já foi escrita,
tatuada,
em mim
e em mais alguém
a quem aqui
tudo isso,
tudo aquilo,
sem nenhum temor,
hoje pronuncio.

(inspirado pela alegria da música de Augustus Pablo).





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